sexta-feira, 13 de julho de 2012

Estado forma a primeira turma de técnicos de nível médio em um assentamento rural


Dona Áurea Brito e seu Adel Francisco de Oliveira são trabalhadores rurais do Assentamento Terra Vista, à 4 km de Arataca, no Território de Identidade Litoral Sul. Coube a eles a criação dos netos João Gabriel, 18, e Rafael, 19, que perderam os pais ainda pequenos (foto). João Gabriel e Rafael estão entre os 68 estudantes que se formam no próximo sábado (dia 14) no Centro Estadual de Educação Profissional (CEEP) do Campo Milton Santos, instalado no assentamento. Esta é a primeira turma de uma rede pública estadual formada em um assentamento rural no Brasil.

Para dona Áurea, formar os netos simboliza uma vitória familiar e de toda a comunidade de trabalhadores rurais que conquistaram a terra e o direito à Educação Profissional. “Eu participei da luta pelo assentamento e pela construção da escola, levei o engenheiro para medir o terreno da escola. Foi uma batalha, e a gente só sossegou quando conseguiu. Os meninos foram criados lá dentro e depois dos estudos, os meninos ‘desarnou’ em muitas coisas, até o modo de tratar em casa melhorou”, sorri comentando que Gabriel conseguiu um estágio em uma ONG e Rafael passou a ajudar mais o avô na roça. “Estou muito satisfeita”, comemora.

A turma de formandos é composta por assentados, filhos e netos de assentados e por pessoas de fora do assentamento, outros trabalhadores rurais, filhos de agricultores familiares, pequenos agricultores, moradores de municípios de Arataca, Camacã, Paleninha (distrito de Camaçã) e Pau Brasil.


Jovânia, de blusa branca e calça preta, durante aula de campo
A feirante Jovânia Amaral da Silva, 30 (foto), moradora de Camacã, é uma das estudantes que viajavam todos os dias para estudar no CEEP e receberá o diploma de Técnica em Agroecologia. “A viagem durava 1h40 entre ida e volta. Eu chegava em casa todo dia perto da meia-noite. A conciliação foi muito difícil, mas graças a Deus, com ajuda dos nossos familiares, principalmente minha mãe que olhava meu filho que hoje tem oito anos, a gente conseguiu esta vitória. A vontade é de chorar de tanta emoção”, comenta.

Para Jovânia, o curso fez com que ela tivesse uma outra dimensão, um outro olhar sobre a Mata Atlântica, bioma onde nasceu e foi criada, e também sobre a atividade que exerce. “Enxergo minha região com outro olhar. Este curso agregou valor à minha vida, ao meu trabalho. Na feira, sei falar para um freguês o que ele pode levar para casa e ter uma alimentação saudável, distinguir o que é orgânico do convencional. Inclusive, hoje, as pessoas me olham com maior respeito e admiração”, comemora ainda mais motivada a sonhar. “Tudo valeu à pena. Quero continuar a estudar, fazer faculdade e investir no meu próprio negócio”, sorri.

Para o superintendente de Educação Profissional do Estado, Almerico Lima, mais do que uma simples comemoração, a formatura destes técnicos em Arataca “concretiza a passagem para um novo período da vida dos jovens e adultos formandos, com inserção no mundo do trabalho na condição de técnico, iniciando um processo de uma ascensão social. Também é a reafirmação da escola pública como escola de qualidade, capaz de formar pessoas humanas, cidadãos trabalhadores e sujeitos de direito que contribuam com o desenvolvimento socioeconômico e ambiental da Bahia”.

CONQUISTA NA ADVERSIDADE - O diretor do CEEP do Campo Milton Santos, Luciano Oliveira, disse que o momento é de grande emoção e expectativa, principalmente para os pais. “É uma conquista com muito sofrimento, luta e força de vontade de vencer na vida. Os pais destes meninos lutam para conquistar a terra, depois para construir uma escola dentro do assentamento, depois para que essa escola fosse transformada em um CEEP. Eles estão se realizando pelos filhos. Muitos dizem que estão vendo os filhos doutores”, afirma.

O diretor lembra que os assentados eram discriminados e que o CEEP contribuiu para uma mudança de paradigma. “Os trabalhadores eram discriminados, apontados na rua como os sem terra que eram violentos. Eles conseguiram desconstruir isso por meio da educação, da construção do colégio e a proposta do CEEP do Campo. Hoje a comunidade vai estudar no assentamento e eles conseguiram também conquistar o respeito e a admiração de todos em Arataca e em outras cidades da região”, celebra ao acrescentar: “Muitos estudantes são trabalhadores rurais que atuam de dia nas lavouras de cacau e à noite estudaram para formação e legalização da profissão. Agora são técnicos em Agroecologia, obtendo, inclusive, a certificação de um saber adquirido na lida”.

Sobre o CEEP do Campo Milton Santos

O CEEP do Campo Milton Santos foi criado em 30 de novembro de 2010 pela portaria 8.301/10 em substituição ao Colégio Milton Santos. Foi o primeiro Centro temático do Campo criado no estado. O segundo é o CEEP do Campo Paulo Freire, em Santaluz.

Atualmente, tem 699 matriculados em cinco cursos técnicos de nível médio (Agroecologia, Agroindústria, Meio Ambiente, Zootecnia e Informática) e em um curso de qualificação profissional (Agroextrativismo). Para este ano, está previsto, no âmbito do Pronatec, a oferta de vagas para os cursos de qualificação profissional em Agente de Desenvolvimento Socioambiental e Vivericultor.

INCLUSÃO - Os trabalhadores rurais são públicos prioritários da Educação Profissional da Bahia. Inclusive, a Superintendência de Educação Profissional é responsável pela execução, na Bahia, do programa federal Saberes da Terra voltado para jovens rurais de 18 a 29 anos que não possuam o ensino fundamental. Além disso, a Rede Estadual de Educação Profissional oferta cursos técnicos de nível médio em mais dois assentamentos, em Barra do Choça e Wagner. Já no CEEP Semiárido, em São Domigos, é ofertado o curso técnico de nível médio em regime de alternância para agricultores familiares.

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